Candomblé de Caboclo

Wednesday, February 28, 2007











Os Caboclos são tidos como espíritos dos antigos índios e mestiços que habitaram o Brasil. Herdeiros da grande sabedoria da cultura tradicional indígena, trabalham como guias espirituais praticando a caridade e aconselhando o povo simples desta terra. Interagindo com os espíritos da floresta, conhecem os segredos das ervas e dos remédios naturais, a respeito dos quais são grandes mestres. As suas manifestações através dos médiuns, pode parecer arrogante, devido ao caráter altivo de que se revestem suas personalidades. Mas isso é devido ao profundo conhecimento que têm a respeito do povo brasileiro com sua mistura e misticismo, além do orgulho de pertencer a uma cultura nativa milenar, que resistiu ao tempo e à escravidão.
Trabalham como curandeiros, intimamente ligados ao culto da jurema, da pajelança e ao candomblé de caboclo, atuando como conselheiros familiares e médicos do povo. Alguns classificam os Caboclos como pertencentes a falange de Oxóssi (cablocos de oxossi), orixá nagô da caça e das matas, com caracteristicas muito próximas. Os caboclos estão divididos em duas manifestações distintas: caboclos das matas e caboclos boiadeiros, ou como dizem, caboclos de pena e caboclos de couro. Suas incorporações se distinguem por características próprias. Os caboclos de pena chegam dando gritos de guerra indígenas prolongados com um som próprio final: Quiôôôô. Os caboclos de couro, como os boiadeiros(que falaremos mais em outra oportunidade) tem os seus sons de saudação como se estivessem tocando o gado: Eeiiáááá.
Uma das características típicas dos caboclos de pena é a dificuldade de falar corretamente a nossa língua. Com um sotaque semelhante ao indio falando o português, as vezes se faz necessário o auxílio de um cambono do terreiro, para que se possa entender o que dizem. São entidades fortes e viris que apesar de seu ar rude, sério e cismado, gostam de festas e dançam alegremente sob o ritmo rápido dos atabaques. Alguns de seus toques são conhecidos como "samba de caboclo", nome que se dá também as festas realizadas em sua homenagem quando são saudados pelo grito: Okê Caboclo. Quando incorporados gostam de fumar charutos, e gostam também de bebidas fortes como o vinho de jurubeba ou uma mistura de ervas típicas da região norte chamada macaia, e cerveja(dependendo da região). Suas oferendas se compõem de muitas frutas de variados tipos, flores e bebidas fermentadas que são colocadas nos terreiros em pequenas cabanas rústicas feitas de folhas como os abrigos de caçadores na floresta.
Uma das belas coisas que dizem a seu respeito, ilustrando a sua espiritualidade, é o seu enorme amor pelas crianças. Fato da cultura tribal que encara a criança uma dádiva divina e a semente do futuro. Por tudo isso, não espere favores dessa entidade, aquele que maltrata os pequenos.
Existem tantos caboclos como elementos e forças da natureza. Praias, rios, florestas, plantas e animais silvestres, são a expressão material dessa força espiritual que representa e se manifesta
através dos Caboclos. Alguns tipos mais conhecidos de caboclos das matas são: Caboclo Araúna, Caboclo Sete Montanhas, Sete Cachoeiras, Mata Virgem, Tupinambá, Caboclo Guiné, Arranca Toco, Rompe Mato, Ventania, Caçador, Caboclo Flexeiro, Cobra Coral, Caboclo Roxo, etc. .
Menção especial as entidades femininas de caráter indígena, que representam o gênero doce e inocente dessa manifestação, como as Caboclas Iracema, Jurema, Iara, Jupira, Jandira, Jacira e tantas outras. Sempre estão disponíveis para dar consulta aos fiéis, aconselhar e ajudar espiritualmente aos que os procuram, sem se importar com o nível social ou posses financeiras dos consulentes.
A participação dos povos de origem Bantu, oriundos de Angola, foi decisiva na formação de um padrão para estes cultos afro-indígenas, com todas as suas variantes regionais como o candomblé de caboclo, o omolocô e o catimbó de Pernanbuco e da Paraíba, como alternativas brasileiras aos cultos puramente africanos e seu impermeável panteão de divindades(orixás).
Estes povos de origem bantu, guardavam a tradição africana do culto aos antepassados. Mas estes estavam na longínqua e quase inacessível terra mãe: AFRICA. A destribalização e a ruptura dos clãs familiares devido a escravidão fizeram o inconsciente cultural voltar-se para os ancestrais na nova terra, do novo lar, miscigenado - OS ÍNDIOS - Assim nascia o CANDOMBLÉ DE CABOCLO. Após a chegada dos povos nagôs e gêges, os negros bantu, puderam recriar suas práticas religiosas, espelhando-se nos modelos yorubá, mas com características culturais próprias, inclusive na recuperação da língua ancestral, aparecendo dessa forma os candomblés de inquices em que entidades caboclas estavam presentes. Essa vertente religiosa difundiu-se pelo Brasil rapidamente, em função de ser mais eclética e aceitar as divindades de ambos os continentes e culturas, africana e indígena, juntas num mesmo panteão, criando um complexo religioso afro-índio-brasileiro que a partir da década de 60 ocupa todo o páis com os terreiros "angola-congo-caboclo". O início do culto aos caboclos, tem seu marco histórico na Bahia pelo casamento dos chamados Candomblé de Caboclo e Candomblé de Inquices de origem angolana e congolense, formando um complexo misto afro-índio-brasileiro, que se difundiu por todo o território nacional nessa religião síntese do misticismo brasileiro que é a Umbanda. Apesar da reconstituição documental, os quadros sociais indicam que o culto às entidades de origem típicamente brasileiras denominadas caboclas, se formaram difusamente onde quer que houvesse agrupamentos étnicos miscigenados que receberam influência da cultura africana, indígena e européia pela popularização do kardecismo no final do século XIX.
Assim a adoração de entidades humanas que foram consideradas portadoras de poderes espirituais tornou-se folclórica. Em cada região esse culto religioso adotou o formato e as cores da cultura local. Inicialmente o Caboclo era o índio que viveu neste país e depois como espírito, vinha trabalhar em prol dos necessitados. Com o tempo os terreiros afro-brasileiros foram agregando outros tipos como o mestiço, filho de brancos e índios, que formavam a grande massa da população brasileira, como os vaqueiros(campineiros e boiadeiros) e trabalhadores rurais alçados depois da morte a guias espirituais ou mestres, segundo a designação popular, devido a sua experiência de vida. Mas nem todas as lendas e histórias a respeito das entidades caboclas, as tem como espíritos desencarnados. Em muitos contos e tradições, que nos remetem diretamente à mitologia indígena, os Caboclos são tidos como espíritos encantados. Isto é, não passaram pela morte física, mas alcançaram o plano espiritual através de um fenômeno sobrenatual, encantamento ou magia. Essas entidades caboclas, como ancestrais da terra brasileira, estão presentes em várias manifestações religiosas mestiças das culturas indígenas e africanas. São os Candomblés de Caboclo, Catimbó, Jurema dos Mestres, Omolocô, Encantaria de Mina e tantas outras formas regionais da religiosidade brasileira que ajudaram a compor este panteão, que mais tarde foi sincretizado na Umbanda nascida no Rio de Janeiro e se espalhou pelo país. Essa natureza mestiça do culto aos Caboclos, desenvolveu uma relação simbiótica com as casas de culto aos Orixás e Voduns mais tradicionais, que se mantiveram fechadas em sua liturgia mais ortodoxa, mas que em maior ou menor grau foram condescendentes com essa nova prática religiosa. Há registros incontestáveis que mostram famosos Babalorixás e Iyalorixas cultuando estas entidades dentro de seus tradicionais terreiros(Ilê Asé). Uma das concepções mais comuns no culto dos caboclos, é a de que ele foi realmente um índio que viveu e morreu em época antiquíssima, alcançando uma luz espiritual, e hoje tem como missão de caridade na terra, auxiliar os humildes, diminuindo seus sofrimentos, auxiliando na cura de doenças, através dos seus conhecimentos dos remédios naturais(ervas). Esta imagem se mescla com a figura do mestiço brasileiro, cristianizado, que podia ser também um branco ou um mestre falecido do culto da jurema. A designação de "mestre" passa a descrever qualquer espírito desencarnado. Uma herança visível da cultura indígena, é o uso do tabaco, para fumar com um cachimbo ou mascar misturado com mel, usado nos ritos de curas e ainda a ingestão de bebidas alucinógicas em cerimônias de caráter mágico, como o vinho feito com as folhas da Jurema. Alguns argumentam que o termo Catimbó, é uma corruptela da palavra cachimbo. Este usado liturgicamente, teria dado nome à prática mágico-religiosa. As crenças e concepções sobre a natureza dos caboclos variam de forma mais acentuada, quando nos dirigimos mais ao norte.
Nas regiões onde a cultura indígena da grande amazônia, mais tradicional, se faz mais presente.
Na região do Pará, Maranhão e outras, as entidades cultuadas são descritas como personagens lendários, encantadas, ligadas as forças da natureza, que viveram sobre a terra mas que passaram ao mundo espiritual por alguma razão misteriosa. Muito próximos das lendas européias sobre fadas e gnomos. Todas essas formas e manifestações deste culto genuínamente
brasileiro, são chamadas de religião dos encantados e caboclos e tem como ponto comum com a religião dos Orixás, a imprescindível incorporação das entidades, em seus médius que devem ser devidamente preparados para servirem de intermediários entre os planos espirituais e material.
Estas entidades, não são consideradas deuses distantes e inacessíveis ao comum dos fiéis, mas mestres, embora iluminados, humanos como nós. Daí a grande identificação popular. Todas as cerimônias das casas de caboclos, demostram o carater da genuína mistura de culturas no Brasil.
Os ritos são cantados e acompanhados de batuques, como nos candomblés de modelo africano, com seus ritmos adaptados e cantigas em portugues e as entidades caboclas "branqueadas" pela cultura européia. Na linha da Jurema, os mestres caboclos, que se manifestam, foram em vida velhos pagés, que tinham uma função nas suas tribos, semelhantes a um Pai-de-Santo.
A teogonia indígena, é simples e poética: Tupã, é o Deus Maior, criador de tudo, com a assistência de três divindades superiores: Guaracy que é o Sol, criador de todos oa seres vivos, Jacy, a lua, criadora de todo o reino vegetal e Perudá, o deus do amor, responsável pela reprodução dos seres criados e conservação do mundo. Em cada um desses reinos, uma cascata hierárquica de deuses menores, e ainda, em cada lago, riacho, árvore ou animal, um gênio da natureza que os protege. E uma entidade que muito se aproxima do exú africano, o Jurupari. Uma espécie de agente mágico. Os padrões morais da umbanda foram tirados do kardecismo, com forte influência cristã, e os padrões estéticos, foram provenientes dos candomblés africanos e dos cultos ameríndios do Catimbó. Esta herança moral forma a Umbanda, que define a caridade como a principal atividade dos espíritos que vêm a terra, para auxiliar, de todos os modos possíveis, os fiéis. Seja através de passes magnéticos, para tirar as energias astrais, seja através de práticas mágicas com interferência direta na manifestação do mundo espiritual.
O processo de urbanização por que passou a sociedade, fez com que, antigos cultos da Jurema e dos Caboclos do Sertão, só sejam vistos nos terreiros de Umbanda, e nos candomblés de caboclos das cidades. Apesar das inúmeras modificações e adaptaçaões aos tempos e costumes, os caboclos continuam a manter o espírito das matas em sua essência. Exímios curandeiros, são respeitados também pela sua coragem e perícia como caçadores e guerreiros e por terem, em tempos antigos, resistido à escravidão, resguardando sua liberdade e orgulho selvagem junto com seus conhecimentos das florestas, seu enorme respeito à natureza, colocando estas entidades quase como um símbolo ou arquétipo espiritual da filosofia ecológica, tão em alta nos nossos tempos modernos.
O Samba de Caboclo, com se costuma chamar as festas, toques e giras, feita em louvor a estas entidades, tem uma alegria e vigor, típicos da energia que trazem para os terreiros. As cantigas e danças coreografadas como episódios de caça, interpretam as muitas lendas e histórias relacionadas com suas vidas e aventuras nas matas. A harmoniosa existência com a natureza e os animais. Nestas festas constatamos a influência africana no uso de termos em dialeto africano como: axé, ogã, atabaque, etc. No Rio Grande do Sul, pode-se verificar nos terreiros, o uso de uma mescla de palavras em português, dialetos africanos como o bantu e o yorubá e o guarani, lingua nativa dos índios daquela região.
Em suas manifestações, os caboclos, cantam publicamente os seus pontos de preferência. Conversam com os fiéis, consumindo suas bebidas favoritas como o vinho de alumã ou de jurema, o caumin, fumando seus cachimbos de barro, contando suas histórias, que não raras vezes, são uma mensagem velada de sabedoria, diretamente relacionada com os problemas do ouvinte. Descrevendo suas habilidades para vencer desafios, mostram o caminho para a solução dos mesmos. Gostam de dançar, realizando movimentos que lembram as diversas maneiras de manejar suas muitas armas como o arco e flexa. Não há dúvidas de que tudo isto é a exterioraçao cultural de um mundo alegre e farto, seja material ou espiritual.
Esta alegria presente nas danças e pontos cantados, nas suas oferendas de frutas, produtos da terra, são demonstração de uma segurança na fartura espiritual do mundo do qual procedem.

Okê Caboclo !

Fonte: Pesquisas e textos Mãe Fátima D'Aira.

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